Artesanato atrai empreendedores, mas falta profissionalização

Setor que movimenta mais de R$ 50 bilhões ao ano ainda é informal e pouco lucrativo para artesãos

1239

Cerâmicas, rendas, barro, palha, tecido, couro, madeira, papel ou fibras naturais. De norte a sul do Brasil, materiais que parecem pouco nobres ou até descartados são transformados manualmente e viram artesanato.

O artesanato está presente como atividade econômica em 78,6% dos municípios brasileiros, de acordo com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (2014), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A mesma pesquisa aponta que hoje cerca de 8,5 milhões de brasileiros garantem o sustento do lar desta forma. Juntos, os empreendedores do artesanato movimentam mais de R$ 50 bilhões por ano.

Apesar da cifra bilionária, poucos artesãos brasileiros viram de fato empreendedores. Ainda falta apoio em gestão para profissionalizar a produção, aprender a precificar, atrair compradores e divulgar o trabalho. “A figura jurídica do microempreendedor individual (MEI) foi uma importante ferramenta para o artesão, ao permitir a formalização por meio de um processo simplificado e com baixo custo para esse empresário”, diz Guilherme Afif Domingos, presidente do Sebrae, que neste ano investiu R$ 40 milhões no Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB), no centro do Rio de Janeiro.

Os MEIs no artesanato são empreendedores como Milena Curado, da Cabocla Criações. Ela aprendeu a bordar aos sete anos, com a avó. Quando a carreira deixou de ser atrativa, ela resolveu resgatar as raízes e voltar às linhas e agulhas. Hoje, tem uma loja em Goiás Velho, município turístico a 142 quilômetros de Goiânia. “Nossa cultura é muito forte, eu comecei a representar nos bordados a iconografia local e caiu no gosto do povo. O turista sempre quer uma coisa que representa a cidade que está visitando”, conta.

Com peças que levam de três a quatro dias para serem finalizadas, Milena encontrou uma barreira para crescer na mão de obra. Foi então que ela resolveu buscar pessoas com muito tempo, mas pouca oportunidade: os detentos. “A cadeia de Goiás tinha uma cela feminina com cinco mulheres. Ensinei a bordar e elas começaram a produzir. Algumas dessas mulheres estavam presas com os maridos e elas os ensinaram a bordar, porque era uma oportunidade de renda e de remissão de pena”, diz. Atualmente, 18 homens e uma mulher participam do projeto.

Mensalmente, a Cabocla Criações produz, em média, 150 peças. Ainda como MEI, Milena diz que o objetivo é continuar pequeno. “Não quero expandir muito minha produção porque isso descaracteriza um pouco este trabalho. Ainda faço questão de desenhar as peças, defino as cores e penso uma a uma. Prefiro produzir pouco para atender a demanda a fazer uma produção grande e perder a referência”, diz.

Dificuldades para faturar
Sem entidades de classe e com o grande número de informais, o setor ainda é carente de estatísticas e muitos grandes artesãos ficam de fora do circuito comercial. É o caso de Solange Maria Gonçalo de Oliveira, de 59 anos, de Bauru, no interior de São Paulo. Solange produz um tipo raro de artesanato chamado renda turca, mas não consegue tirar das toalhas e vestidos infantis o sustento da família.

Ela leva em média cinco dias para confeccionar um vestido para recém-nascido que custa R$ 120 reais. “Aprendi a fazer renda turca aos 14 anos com uma senhora de origem nordestina que era minha vizinha. Era um trabalho raríssimo e quase ninguém sabia fazer aquela renda. Com o passar dos anos, ficou um pouco conhecida, mas ainda muito pouco”, diz Solange, que terá seu trabalho representado no livro francês “1001 Dentellières”, com trabalhos de rendeiras de 15 países.

Renda turca, de Solange Oliveira: pouco reconhecimento (Foto: Divulgação)

Para conseguir faturar mais, Solange enxerga potencial nas parcerias com empresas, que poderiam licenciar os desenhos da renda e aplicar sobre outros produtos, como azulejos e tecidos. “Fazer a renda turca é algo demorado e de baixo valor se comparado a outros tipos de artesanatos que são feitos muito mais rápido. Por isso, tenho tentado que empresas se interessem pelo designer das estampas da renda turca. Já escrevi para diversas empresas, mas até agora não houve interesse”, diz.

Conectando artesãos e empresas
Fazer com que grandes empresas percebam o valor do artesanato brasileiro é um dos objetivos da Rede Asta, plataforma que reúne artesãos e facilita o acesso dos consumidores aos produtos. “A Asta é o maior exemplo de como um negócio de artesanato pode virar um negócio de sucesso”, diz Alice Freitas, cofundadora e diretora executiva da empresa. No ano passado, a empresa faturou R$ 2,2 milhões e venceu o Prêmio Empreendedor de Sucesso 2015, daPequenas Empresas & Grandes Negócios, na categoria Negócio de Alto Impacto.

Grande parte deste crescimento se deve ao trabalho de unir artesãos às demandas do mercado corporativo. A empresa já conseguiu reunir 19 grupos na produção de 30 mil peças para um único pedido. Além disso, a plataforma transforma os resíduos das empresas em produtos exclusivos que viram ferramentas de marketing.

A renda gerada para os grupos no ano passado foi de R$ 917 mil. Atualmente, 974 artesãs distribuídas em 59 grupos, de 10 estados brasileiros, oferecem itens de decoração e moda feitos à mão na plataforma.

Loja da Rede Asta, em Laranjeiras, no Rio de Janeiro (Foto: Divulgação)

Para Alice, o principal problema do artesanato brasileiro é estar sempre marginalizado. “Eles estão em feirinhas e não em lojas de shopping. Temos um problema de margem, preço e produtividade. O artesão é um ser criativo e não um ser gestor ou comercial. Ainda falta um pouco da mente empreendedora, já que eles gostam de produzir, mas não de vender”, diz Alice, que também comanda uma escola para ajudar a profissionalizar os artesãos.

Como ganhar dinheiro com artesanato
Para Afif, o caminho para virar um empreendedor bem sucedido é reconhecer as limitações do negócio. “A empresa artesanal nunca terá a mesma capacidade produtiva de uma indústria. Por isso, é importante investir em outros diferenciais para captar e crescer nesse mercado. Utilizar o design, a iconografia e a identidade cultural da região de origem é importante, pois esses são elementos que agregam valor ao produto artesanal”, diz.

Denise Trevellin Forini, da Unidade de Atendimento Setorial Comércio do Sebrae Nacional, diz que o primeiro passo é se capacitar. “O artesão deve aprender principalmente gestão financeira e precificação”, diz Denise. Outra dica é pesquisar e procurar diferenciar seu produto. “O artesanato é caracterizado pela criatividade. Conte uma história que ter a ver com a sua região. Isso agrega valor e proporciona diferenciação de mercado”, diz. Investir na divulgação em redes sociais e apostar nas vendas online também são caminhos interessantes para o setor.

Fonte: PEGN

Like
Like Love Haha Wow Sad Angry
1

Comments

comments